Existe um programa na TV digital chamado "Empeños a lo bestia". O programa trata do dia-a-dia de uma casa de penhores em Detroit. O programa não é uma maravilha de qualidade nem tem grande profundidade, mas serve para mostrar, extrapolando o que se vê nessa loja para a cidade de Detroit, uma das razões para o declínio da cidade: a idiossincrasia dos seus próprios cidadãos.
Ferrol, como Detroit, é um território que tinha tudo na década de 70 e morreu de indigestão. Como Detroit ligava o seu desenvolvimento para a indústria do automóvel assente na GM e na Ford, Ferrol ligava o seu desenvolvimento para a construção naval assente em duas empresas: Astano (o naval civil) e Bazán (naval militar).
A partir da re-conversão naval dos 80 Ferrol foi indo de mal a pior: luzes apagadas nos negócios, filas nos escritórios de desemprego, inúmeros EREs, lojas com teias de aranha , problemas de álcool, declínio da população, ...
Os velhos vivem ancorados em um passado glorioso que nunca retornará e os jovens apenas têm duas opções: emigrar para ou passar os dias fumando e olhando o mar ou, no pior dos casos, cheirando cocaína. Assim, o bairro de Caranza onde fiz o meu projeto final de engenharia, foi praticamente arrassado pela droga.
O mais triste é que a crise de Ferrol poderia ser reduzida a algo tão simples como a crise naval e a mentalidade dos seus habitantes. Ferrol passou três décadas caindo e os ferrolanos continuam a rejeitar qualquer indústria que não seja uma indústria naval estatalizada e fabril (ver o meu post anterior "Barreras, ao sudeste asiático"). De facto, Ferrol está em crise no momento em que metade da indústria naval e offshore do mundo está crescendo, como Detroit está em crise no momento em que os países emergentes desejam gastar o seu dinheiro em um meio económico de locomoção. Recomendo uma vista de olhos na web da mítica metalúrgica ferrolana para entender onde está grande parte do problema (ver, por exemplo, os concorrentes índios http://www.indiansteels.com/ http://www.jindalsteelpower.com/ ...).
Chegado o Carnaval, o disfarce mais popular em Ferrol é o "buzo", esse traje azul de soldador, porque é "grátis", e em muitas casas de Ferrol tambem há ferramentas boas e variadas fornecidas "gratuitamente" pelo mesmo estaleiro.
Ferrol como Detroit também tem muitos filhos ilustres, mas poucos retornam ou ficam para criar uma empresa e ajudar a diversificar a economia e fazer cidade.